Fusões e aquisições no mercado de consumo estão em alta, e esse tipo de operação, que integra o patrimônio de duas ou mais empresas para formar uma nova ou restabelecer uma posição perdida no mercado, surge como uma tendência para o setor de varejo.
As empresas objetivam combater perdas nas vendas, possibilitar a expansão em novos mercados ou adquirir capacidade intelectual ou de infraestrutura para se manterem competitivas.
E essa necessidade de aumentar a abrangência da atuação das empresas varejistas, principalmente com a escalada do comércio eletrônico e do aumento considerável da confiabilidade do consumidor nesse meio de consumo, demonstra uma consciência maior sobre as flutuações desse segmento.
À medida que novos players atuam efetivamente no varejo, com o lançamento de produtos de consumo competitivos, processos de M&A surgem como boas estratégias para ajudar a conduzir os negócios e enfrentar uma eminente perda de relevância.
Assim, é possível adquirir novos recursos, expandir o portfólio de produtos, acessar novos clientes e aumentar seu alcance geográfico. Veja, a seguir, os benefícios de fusões e aquisições no mercado de consumo e alguns cases de sucesso dessas transações no Brasil.
Motivos para efetivar as fusões e aquisições no mercado de consumo
Existem inúmeros motivos pelos quais as transações de fusões e aquisições sejam efetivadas. Entre eles, destacam-se os fatores a seguir.
Inserção em novos mercados
A busca por participação em um mercado inexplorado pela empresa é um bom motivo para efetivar transações de fusões e aquisições. Apesar dessa inserção exigir mais investimentos, o aumento da demanda pela novidade pode compensar os gastos necessários para a implementação.
Agilidade de expansão
Uma expansão é muito mais rápida quando os ativos e a propriedade intelectual da empresa que será incorporada já funcionam adequadamente. Quando se conhece bem as especificidades do mercado de atuação é mais fácil estruturar e se adaptar às mudanças propostas.
Conquista de vantagens fiscais
Alguns estados concedem incentivos fiscais às empresas estabelecidas em suas áreas. Caso a companhia alvo esteja localizada em algum deles, automaticamente uma fusão e aquisição mantém essas vantagens para aquelas que participaram da transação.
Ainda acontece a possibilidade de a empresa compradora compensar seus lucros acumulados com a redução de impostos futuros caso a organização comprada tenha prejuízos acumulados.
Diversificação
Adquirir empresas de um segmento de atuação diferente privilegia a diversificação e, quando a gestão é bem estruturada, permite alcançar resultados mais abrangentes.
Economia em escala
O crescimento de um negócio também gera um aumento das necessidades organizacionais: matéria-prima, gastos com marketing, com a gestão e manutenção de pessoas e do setor administrativo, por exemplo. Isso permite a possibilidade de economizar em escala , em relação aos custos com colaboradores e infraestrutura, principalmente em uma fusão em que uma das empresas é incorporada.
Aumento do poder de mercado
Quando a empresa aumenta sua capacidade de produção, automaticamente ela precisa de mais insumos, matéria-prima e materiais que, ao serem comprados em grande escala, podem ser adquiridos a um preço mais atrativo em consequência do incremento do poder de barganha.
Remoção de um concorrente em potencial
Adquirir uma empresa que possa interferir futuramente na lucratividade do negócio é uma estratégia que garante mais tempo de pioneirismo desse empreendimento em seu market share.
Conquista de marcas, patentes, licenças e know-how
Essa é uma estratégia para incorporar novos ativos que agreguem valor ao negócio e que são mais difíceis ou demorados de serem conquistados por conta própria.
Existem três tendências globais para o crescimento das fusões e aquisições no mercado de consumo: transações efetivadas em âmbito internacional, a necessidade de investimento em private equity e aumento do volume de negócios que envolvam a busca por know how em tecnologia.
Muitas empresas reconhecem que, para se manterem competitivas, precisam desenvolver novos modelos de negócio amparadas pelo conhecimento digitalizado. E essa possibilidade de reinvenção sempre impulsionou as transações em detrimento de um crescimento orgânico.
Necessidade de implantação de diferentes processos de gestão
O compartilhamento de conhecimento em uma transação de fusão e aquisição garante mais eficiência de gestão, principalmente quando uma equipe ineficiente é substituída pelos bons profissionais da outra empresa.
Problemas que podem interferir no sucesso do processo Alguns indicadores de fracasso devem ser analisados durante todo o processo de fusão e aquisição. O sucesso da transação está relacionado ao planejamento mais efetivo e ao nível de informação disponibilizado pelos envolvidos. Mas, em geral, esse grau de sucesso depende do ponto de vista do analisador, das expectativas criadas com a possibilidade de efetivação do acordo e o período a ser considerado para a finalização do ciclo da transação. Confira alguns problemas que atrapalham as operações de M&A:
falta de consenso entre os sócios de uma das partes ou entre as partes envolvidas;
valor da empresa alvo superestimado pelos seus sócios ou avaliações muito otimistas por parte dos adquirentes;
o alvo é muito maior que a adquirente, com muitas questões de difícil resolução ou que demandam mais investimento que o programado;
incapacidade de explorar na prática as potencialidades identificadas durante a fase do planejamento;
mudanças externas de mercado, como a ascensão de novos players;
problemas na implementação de mudanças, principalmente relacionados à cultura organizacional;
dificuldade de gerir os processos produtivos para garantir eficiência;
má aplicação dos requisitos planejados;
incapacidade de se ajustar em relação às soluções tecnológicas necessárias para o devido funcionamento da empresa;
não atentar pela segurança dos dados compartilhados;
culturas organizacionais conflitantes e confrontadas sem nenhum tipo de preparação;
desconsiderar ajuda especializada e ferramentas adequadas de fusão e aquisição de empresa para efetivar o processo.
Características gerais do varejo no Brasil O segmento integra as funções tradicionais da operação comercial: seleção, venda e distribuição de produtos pelo país. Também oferece linhas de financiamento para o consumidor final, principalmente lojas de bens duráveis, como a linha branca, em que as vendas a prazo são predominantes. Imprescindível para aumentar o poder de consumo em economias de baixa movimentação de compras a vista, essa linha de crédito potencializa os resultados das empresas, se torna um diferencial competitivo e integra a experiência de consumo dos clientes por meio de serviços prestados. Apesar disso, requer investimento em capital por parte das empresas e está sujeito ao risco de inadimplência. Veja as principais características do varejo no Brasil:
absorve mão de obra menos qualificada que a empregada no setor industrial, mas garante níveis de empregabilidade em todo o país, mesmo com altas taxas de turnover;
seu volume de vendas é extremamente suscetível à política econômica e às mudanças nos indicadores de renda da população;
bens não-duráveis variam conforme mudanças no salário-mínimo (principalmente devido à influência no consumo de alimentos), enquanto bens duráveis e semiduráveis são mais sensíveis às variações na massa salarial;
tem sido influenciada pela ascensão do mercado informal, com algumas empresas abolindo a necessidade de comprovação de rendimento ou vínculos empregatícios para a concessão de crédito. A maioria das empresas que compõem o market share do varejo no Brasil é formada por lojas de departamento e de eletroeletrônicos.
Lojas de departamento
Com amplo mix de produtos organizados em pontos de venda por setor (presentes, roupas, acessórios, cama etc.), o segmento é muito competitivo, tem alto grau de endividamento e demanda constante reestruturação, devido aos altos custos operacionais e deficiências de gestão.
Alguns modelos focam na oferta de produtos com preços mais em conta, de marcas mais populares, porém, mais sazonais. A decoração simples, sua forte presença em shoppings de grande fluxo de pessoas e o tamanho mediano atrai um público de menor poder aquisitivo.
Muitos, concorrem com outlets no segmento de vestuário e supermercados, pela venda de produtos alimentícios, como o caso das Lojas Americanas e o Walmart.
Lojas de eletrodomésticos e eletrônicos
Especializada na venda de bens de consumo duráveis e semiduráveis, com grande variedade de produtos de demonstração e forte potencial de crescimento, principalmente devido aos incentivos comumente concedidos pelo governo, redução do IPI (Impostos sobre Produtos Industrializados), por exemplo, e de uma demanda reprimida que começa a ser motivada pela possibilidade de financiamento concedida pelas mesmas empresas — são exemplos: Magazine Luiza, Casas Bahia e Ponto Frio.
Casos de fusões e aquisições no varejo brasileiro
Veja casos famosos de fusões e aquisições no mercado de consumo do Brasil.
Grupo Pão de Açúcar
O Grupo Pão de Açúcar tem uma extensa lista de participação em transações de fusão e aquisição. Foram mais de 17 operações desde 1965, com a compra de rede Sirva-se:
1978: foram fechados negócios com as empresas Peg-pag, Superbom e Mercantil;
1995: o grupo fez negócios com as empresas Millo's Comercial Carajás, G.Aronson e a SAB;
1998: adquiriu o Barateiro e se associou com a empresa francesa Casino, que adquiriu 24,5% do seu controle;
1999: arrendou 25 supermercados da rede Paes Mendonça, na época, a sétima no ranking brasileiro, e comprou duas unidades do Mappin;
2000: fez as aquisições da Reimberg, Rosado, Nagumo, Parati e Mercadinho São Luiz. Além dessas, algumas transações foram de grande valia para o grupo e repercussão no cenário econômico brasileiro. Veja as principais a seguir.
Com o Ponto Frio
A aquisição do Ponto Frio aconteceu em 2009 em uma transação de R$ 824,5 milhões. Nessa operação, o Grupo Pão de Açúcar passou a faturar cerca de R$ 26 bilhões e investiu na reestruturação da empresa e na repaginação das lojas em 2011.
Com as Casas Bahia
A transação, efetivada em dezembro de 2009, foi considerada a maior do varejo do país. Nela, o Grupo Pão de Açúcar assumiu o controle e integrou a empresa à Globex e às unidades do Extra. Juntos, o conjunto passou a faturar cerca de 40 bilhões de reais anualmente, com participação relativa a 42% no mercado de eletrodomésticos brasileiro.
A bem-sucedida transação para Abílio Diniz não teve a mesma percepção para Michael Klein, dono das Casas Bahia, que pediu a revisão dos termos contratuais por se considerar lesado na operação.
Em junho de 2019, o Grupo Pão de Açúcar vendeu todas as ações da Via Varejo (das Casas Bahia e Ponto Frio) em um leilão pelo valor de R$ 4,90, totalizando R$ 2,3 bilhões, deixando de ser o controlador (detinha 36,27% do capital social das varejistas) das empresas.
Na operação, repassou o controle para a família Klein, que detinha 25,43% das ações. O objetivo com a venda foi se dedicar com mais exclusividade ao mercado de varejo alimentar e recuperar um prejuízo do exercício anterior, calculado em R$ 267 milhões.
A Via Varejo reúne as marcas Ponto Frio, Casas Bahia, Bartira e Extra.com.br e fatura, anualmente, R$ 30,6 bilhões. Operações digitais representam, atualmente, 21% do seu faturamento anual.
Com a rede Assaí
Na compra de 60% da rede Assai, em 2007, o Grupo Pão de Açúcar se tornou — atrás apenas do Carrefour, que adquiriu na mesma época o Atacadão — o segundo maior varejista do país. A transação custou R$ 208 milhões.
Em 2009, o grupo expandiu sua rede em São Paulo com a compra das ações restantes da Assaí, que totalizaram R$ 175 milhões. A expansão exigiu uma reformulação do negócio, que se tornou referência em um novo segmento: o atacarejo, fornecendo, além do mercado varejista, produtos para pequenos atacadistas.
Com a rede Sendas
A venda de 50% das ações da rede Sendas aconteceu em 2003 — na época, ela era a quinta maior varejista do Brasil. Posteriormente, o Grupo Pão de Açúcar também adquiriu as ações remanescentes da empresa e passou a controlar totalmente o capital social da Sendas Distribuidora, em uma operação que totalizou o investimento de R$ 377 milhões.
Sadia e Perdigão
Com o início das operações nos anos 50, as empresas disputaram a liderança em diversos segmentos do mercado varejista de alimentos. O início da transação de fusão e aquisição se deu pela tentativa de alavancagem financeira da Sadia, que estava endividada pela má gestão de ativos financeiros.
Após 2009, a quebra do banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, impactou ainda mais as operações da Sadia, que recebia investimento externo para manter suas atividades e realizava operações de compra de dólares a um preço mais baixo para revender no vencimento de contratos futuros.
A dívida da empresa chegou a ser três vezes maior que os valores de suas receitas. A Sadia, então, se tornou um empreendimento de alto risco, e esse problema somente poderia ser combatido por meio de uma injeção de capital.
Apesar de ter seu controle vendido ao fundo de pensão Brasileiro em 1994, a Perdigão detinha, em 2006, 35,5% de market share no segmento de comida gelada e 25% do mercado de alimentos industrializados. Por esse motivo, ela ofertou R$ 32 milhões (R$ 25 por ação) na Sadia, que recebeu uma grande oportunidade de fortalecer sua saúde financeira.
A fusão entre as empresas criou a Brasil Foods e as marcas, individualmente, apresentaram resultados positivos que atestaram o sucesso da transação. A Sadia alcançou cerca de 11% de margem EBTIDA (earnings before interest, taxes, depreciation and amortization ou lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização, em português) e se tornou uma das maiores varejistas no segmento de alimentos.
Além disso, com a transação, a Brasil Foods alcançou uma economia de escala, aumentou seu poder barganha com fornecedores e garantiu sua flexibilidade em relação aos preços praticados no mercado. Outra importante percepção de sucesso foi o crescimento significativo das vendas de ambas as empresas, em 23% para a Sadia e 72% para a Perdigão.